Cais das artes, da vida

Ah, todo cais é uma saudade de pedra!

Fernando Pessoa

Quem acompanha diariamente o horizonte marítimo da Grande Vitória, pode contar os inúmeros navios boiando ao largo, que alteram as suas orientações com as mudanças da direção dos ventos, enquanto aguardam pacientes acessarem aos nossos portos. Para uma cidade que nasceu, se instalou e cresceu junto aos cais, esta permanente presença é uma memória flutuante que acompanha, por séculos, as mudanças urbanas, do comércio exterior e dos contatos com o mundo estrangeiro.

Embora mantida periférica ao desenvolvimento nacional, econômico, social e cultural, Vitória nunca abandonou seu olhar melancólico, de costas para as sombras da montanha, um olhar esperançoso ao infinito, aguardando singela as notícias, os acontecimentos, as novidades e histórias de além-mar.

Cais e navios se instalaram neste nosso território, inseparáveis, a cidade e seus portos, os que aqui viviam e os que vieram, imigrantes, os altos e o mar, água e montes, da Penha, do Penedo, do Moreno, do mestre Álvaro, celebrando a aproximação entre a humanidade e a natureza, seus conflitos e transformações, boas e ruins.

No século XXI, governar não é mais construir estradas de rodagem ou ampliar pontes para melhor fluir automóveis, nem simplesmente reduzir o desenvolvimento econômico a extrações minerais ou à produção de placas de aço, destinadas à exportação.

O mundo nos aproxima, nos exige esta proximidade, as identidades reivindicam presenças e sentidos, a inclusão social e econômica é uma exigência ética e o compromisso com o ambiente uma necessidade de sobrevivência. Neste contexto, torna-se urgente um lugar especial, onde as artes e a culturas se encontrem com o estrangeiro e o estranho, manifestem o indizível, apresentem o impossível, tornem compartilhados e visíveis os dons de nossa parte ao mundo comum.

Nestes tempos difíceis é preciso instalar um cais, das artes, da vida, onde se aproximam e ancoram navios e sonhos, agregam-se os desejos próximos e os mais distantes, juntam-se matérias duras e macias virtualidades, um local único, excepcional, para somar nossas memórias e prover futuros melhores.

O recém falecido arquiteto capixaba Paulo Mendes da Rocha, nos fez um presente, um agrado, o projeto de um cais e de uma casa. Um cais de pedra, junto ao mar e a baía, uma casa da cultura e do pensamento, em uma plataforma, um terreiro do saber, ao nosso gosto de praças, ruas e festas.

Nesta plataforma comum, um teatro e um museu e galeria foram erguidos em geometrias puras para conter o maravilhoso e o sublime, instigar os sentidos, o gosto e o espírito, fazer ouvir os sons e as palavras que movem corações e mentes, de frente ao infinito e ao lado dos amigos e amantes.

Não concluir esta obra/projeto, esquecer este sonho, deixá-la abandonada, incompleta como tantos outros projetos passados, é aceitar o destino, é recolher-se esvaziados, derrotados, às nossas insignificâncias, ao atraso cultural e ao isolamento histórico.

Defender e propor o término da obra do Cais das Artes não é coisa de arquitetos, de artistas, de produtores de cultura, mas é tarefa de todos capixabas, que acreditam e apostam no futuro de uma cidade, Vitória – Metrópole, mais bela, feliz e igualitária, ligada e antenada, como são as artes e os navios, às coisas da terra e do mundo.

Kleber Frizzera

É associado do IAB-ES, professor e pesquisador da UFES.

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